Muitas dúvidas tem sido levantadas não só pelas famílias, mas por todos nós que trabalhamos com APLV!
A primeira delas é: O número de alérgicos tem aumentado à medida que o tempo passa?
Estudos em todo o mundo relatam que sim! A prevalência tem aumentado! Tem mais gente doente de alergia ultimamente! E estes números são: 6% da população abaixo de 3anos e 3,5% da população adulta. Pensando na população mundial, é um bocado de gente!
Mas muito cuidado! Os estudos compararam a essa prevalência de duas formas: o que os pais associavam como sendo alergia e o que realmente era alergia. E viram que muito do que os pais classificavam como alergia, muitas vezes era outro tipo de reação ao alimento, ou nem era ao alimento. Vou dar um exemplo: pais relataram que a criança tinha dor de barriga a diarreia quando comeu um risoto e logo, era alérgico a arroz e tiraram arroz da dieta. Médicos fizeram o teste de provocação oral com o arroz, os sintomas não se reproduziram.
A mensagem que deve ficar aqui: sim, a alergia está mais frequente! Sim ela não deve ser menosprezada! Não, isso não é frescura de mãe e pai inexperiente! Não, isso não é modismo médico! Mas novamente, “nem tudo que reluz é ouro”. Nem sempre a reação do seu filho é alérgica! Há necessidade de certeza do diagnóstico, senão a criança pode ser submetida a intensas privações num momento em que precisa de nutrientes para crescer.
A próxima dúvida é por que isso aconteceu com meu filho?
Bom, não existe uma causa única para o desenvolvimento da alergia alimentar. Há muitos fatores envolvidos, e os mais conhecidos são:
A) Alteração da barreira de proteção do intestino
Um intestino que seja maduro e saudável em suas funções deve ter a capacidade de viver harmonicamente com a população de bactéria que o habita, deve manter suas defesas íntegras, deve ter um equilíbrio imunológico para não sair “atacando” tudo que entra nele.
Mas o intestino imaturo do neonato e lactente jovem favorece a reação alérgica por não ter estes mecanismos tão bem desenvolvidos! A barreira epitelial que deveria ser uma “porta fechada” é uma porta entreaberta e permite a entrada de antígenos (coisas estranhas, vamos assim dizer) mais facilmente! O anticorpo IgA que seria um “porteiro”, está em menor número nesta idade e às vezes não tá na portaria para impedir a entrada do estranho.
B) Flora Intestinal
Nosso intestino tem trilhões de microorganismos, sendo que a grande maioria mora no intestino. E muitos destes germes nos ajudam na nossa saúde. Acredita-se que já possa haver certa passagem de um pouquinho desse “povo legal” durante o período fetal, mas tê-los em quantidade e qualidade para nos ajudar em termos de saúde leva tempo. Logo, no primeiro ano de vida a flora intestinal está em construção. Fundamental para se estabelecer uma flora adequada é o tipo de parto (vaginal é melhor para a flora) e o aleitamento materno exclusivo. Uma flora em disbiose (em desequilíbrio) aumenta o risco de alergia)
C) Resposta Imunológica
Em situação de normalidade, temos que não reagir aos alimentos que ingerimos. A isso se chama de tolerância (que nada tem a ver com intolerância à lactose). Em pacientes suscetíveis a alergia, esse mecanismo está falho. As células Treg que deveriam frear essa exacerbação frente a um alérgeno, não funcionam bem no alérgico.
D) Fatores do alérgeno
Alérgeno é qualquer substância capaz de estimular a resposta de hipersensibilidade. Para ter essa capacidade, a glicoproteína deve ter tamanho de 40 a 70 kDa (guarde esta informação para entender posteriormente o tratamento). Muitas vezes a estrutura do alérgeno permite que procedimentos como cocção e hidrolisação o modifiquem (e ele perca seu tamanho e poder), outras vezes não. A grande maioria dos alérgenos que causam manifestações piores são resistentes às mudanças. Exemplo o leite que não adianta ferver que vai continuando com o poder de fazer alergia.
E) Fatores Genéticos
Muito importante na formação da doença, principalmente nos IgEs mediados. Não há exame genético para dizer quem tem risco. Mas a história da família nos dá uma pista. O risco de alergia é de 40% se um familiar tem história familiar de atopia e aumenta para 80% se acontece em dois familiares próximos. Então se você tem dermatite atópica e seu cônjuge rinite, é um “prato cheio!”
F) Fatores Dietéticos
Muito as mães falam, minha culpa que comi leite na gestação. Não, não! Não há estudos que apontem para isso. Hoje a recomendação é de que não haja qualquer restrição alimentar durante a gestação! Portanto, todas as mães, independente do risco familiar para alergia, devem continuar se alimentar balanceadamente e sem restrições! Inclusive você, mãe que já teve filho alérgico! Não tire da sua dieta durante a gestação do próximo filho!
Agora, quando o bebê nascer, amamentação é muito recomendado como um fator de proteção na alergia. O leite materno tem IgA (lembra, o porteiro que está em falta nessa defesa toda), tem fatores de amadurecimento da barreira intestinal, da flora intestinal e dos mecanismos imunológicos.
Já receber fórmula de leite de vaca ainda no berçário pode ser um fator de risco importante para alergia alimentar!
A introdução precoce dos alimentos (antes dos 6meses), e a exposição tardia a alguns alimentos também se mostrou ser fator de risco para alergia. Então, alimentos diversos devem ser expostos somente aos 6 meses!
G) Deficiência de vitamina D
Ainda controversa, ainda em estudo, mas siga as orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria para a Suplementação
H) Outros fatores
Não bastasse tudo isso já falado, ainda se associa a risco de alergia alimentar: sexo masculino, ter comorbidades alérgicas (já ter outra alergia), desmame precoce, obesidade, hipótese da higiene (crianças que não se sujam mais, que não brincam na grama, na terra) e a grande supressão ácida promovida por tempo prolongado de medicações anti ácidas e inibidores de bomba de prótons)
Viram? Tem muita coisa atuando para a alergia acontecer! Então existem muitos porquês!
Um abraço, Dra. Mirella
Fonte: Consenso Brasileiro de Alergia Alimentar 2018 ASBAI.