É muito comum o paciente chegar no consultório confundindo intolerância à lactose com alergia à proteína do leite! Mas não se pode confundir alhos com bugalhos, porque são coisas totalmente diferentes.

Vamos começar a entender as diferenças ?

Primeiro, o que que é lactose?

O leite há muito vem sido utilizado como fonte nutricional na espécie humana. Ele é composto por vários nutrientes, sendo o açúcar (carboidrato) conhecido como lactose. Então, lactose é o açúcar do leite. A concentração de lactose é diferente em cada leite: leite materno 7.2mg por 100ml; leite de vaca 4,5mg em 100ml e leite de cabra 4,2mg em 100ml.

Mas todo mundo fala disso agora. Será que não é moda?

De jeito nenhum! Essa história é bem antiga, datando de ancestrais lá da época do UGA-UGA. Na era do gelo, há 20mil anos, somente bebês e crianças digeriam a lactose.Há 11mil anos o homem começou a fermentar o leite na tentativa de digeri-lo também na idade adulta. Mas somente há 7500 anos, no norte da Europa, surgiu uma mutação genética que permitia alguns homens digerirem leite até a idade adulta (olha aí a genética e a natureza dando um jeito pra gente se adaptar). Hoje a capacidade de digerir a lactose é muito variável em todo o mundo!Aqui no Brasil a estimativa é de que 50% dos brasileiros tenham hipolactasia (diminuição da enzima lactase), levando a graus variáveis de sintomas.Nas demais regiões do mudo isso também varia bastante a ponto de um europeu do Norte poder ingerir até 500ml ao dia de leite sem sintomas, enquanto um africano não consegue mais de 20ml.

Logo, a intolerância é real e não é um modismo.

Mas existem tipos de intolerância à lactose?

Sim, a deficiência de lactase pode ser encontrada em 3 situações específicas:

· Deficiência congênita de lactase: muito rara, descrita em pacientes da Finlândia. É uma doença genética, em que o bebê nasce sem lactase. Doença muito grave e que pode levar à morte.

· Deficiência da lactase secundária: Aqui doenças que “ ataquem” o intestino podem fazer com que a pessoa se torne intolerante. Se a doença que “atacou” o intestino for tratada, a pessoa pode voltar a tolerar a lactose. São exemplos de doenças que podem deixar a pessoa intolerante: gastroenterites, parasitas como Giárdia, doença celíaca (doença associada a glúten), supercrescimento bacteriano intestinal, uso de medicamentos entre outros.

· Deficiência da lactase primária: a lactase está presente no intestino enquanto houver produção genética da mesma. A nossa genética nos preparou para consumir leite enquanto pequenos. Mas se a nossa genética for para se tornar intolerante, a enzima que digere a lactose aos poucos para de ser produzida e vai se esgotando. Em 70% da população, estes níveis de enzima vão começar a cair entre 2 e 5anos, mas os sintomas costumam a aparecer depois de 5anos.

E quais são os sintomas da intolerância à lactose?

Quando a lactose não é digerida, ela atrai água para dentro do intestino, podendo levar à diarréia. Ela serve também de “comida” para bactéria intestinal que fazem uma fermentação desta lactose. Com a fermentação se vê alguns sintomas: dor abdominal, cólicas, distensão abdominal, gases e até constipação. Alguns autores descrevem que essa fermentação das bactérias produz toxinas capazes de fazer sintomas extra intestinais como: cefaleia (dor de cabeça), fraqueza, falta de concentração.

Os sintomas aparecem também dependendo de outros fatores que não só a falta de enzima. Exemplo: 2 pessoas podem ter a mesma intolerância, mas se uma delas tiver a flora bacteriana ruim, vai ter mais sintomas do que a outra.

Como se faz diagnóstico de intolerância à lactose?

Uma história médica bem-feita pode sugerir o diagnóstico. Quando a relação causal é muito clara (come leite e passa mal), pode –se não fazer exames complementares. Mas quando há necessidade, pode-se usar alguns exames para ajudar:

· Biópsia de delgado com análise da atividade da enzima: seria o padrão ouro (o melhor exame que se tem). Mas não existe em todos os centros de tratamento e é invasivo. Muito pouco se faz.

· Teste de H expirado:  aqui uma quantidade padronizada de lactose é dada para o paciente. Na falta de digestão da lactose, as bactérias intestinais fermentam esta lactose e liberam H2. Quando o paciente expirar, vai se detectar o incremento deste gás acima de 20ppm. Este teste não está presente em todos os centros de tratamento.

· Teste de tolerância à lactose: aqui a lactose é dada via oral. Se houver a digestão, vai haver no sangue um incremento de glicose (o produto desta digestão) acima de 20 pontos. 

· Teste genético de polimorfismo C-T 13910: faz diagnóstico de hipolactasia primária (aquela que é genética) e não de intolerância à lactose. 50% da população tem o gene para hipolactasia e não é intolerante ainda e além disso há as intolerâncias de outras causas.

Muito cuidado aqui! Um exame é diferente do outro. Muitos pacientes trocam o teste de tolerância à lactose pelo teste genético por ser mais simples de executar. Mas esse exame faz diagnóstico só daquela intolerância genética. E se a intolerância for secundária a doença celíaca por exemplo,o exame não vai detectar. E se o exame for positivo para hipolactasia primária, ele não consegue dizer se a intolerância já está presente agora ou se vai aparecer no futuro. 

Assim, o exame mais indicado depende do caso de cada paciente e deve ser indicado corretamente pelo especialista.

Como se faz o tratamento da intolerância à lactose?

1.Dieta:

No paciente sintomático se retira a lactose por um período de 4 semanas. Se os sintomas resolvem desta forma, se pensa em intolerância primária (que não tem mais doença envolvida). Se os sintomas não resolvem desta forma, segue investigação de mais doenças envolvidas. Assim que os sintomas resolverem, o paciente pode testar ver quanto ele tolera do leite. Aos poucos ele vai perceber que se ingerir uma fatia de queijo pode ficar bem e se ingerir duas pode passar mal. Ele precisa conhecer o limite de ingesta.

Muitos pacientes pensam em parar de consumir completamente o leite. Isto é um risco importante na faixa etária pediátrica pois pode levar à falta de cálcio, vitamina A e D, riboflavina e fósforo. Estas deficiências podem levar à osteoporose precoce. Então o melhor é ingerir os alimentos zero lactose para manter a absorção destes nutrientes.

2. Manejo de supercrescimento bacteriano:

O paciente intolerante tem desequilíbrio na flora intestinal causada pela fermentação de lactose. Muitas vezes precisará de antibióticos e lactobacilos para controle da flora e resolução dos sintomas. Mas esta parte depende da avaliação do especialista.

3.Uso da lactase:

Há enzimas que permitem o uso da lactose ao serem ingeridas antes, durante ou imediatamente à alimentação com leite. Não há risco de sobrecarga, vício ou intoxicação com o uso diário e mais de uma vez no dia desta enzima. A dose deve ser calculada para cada paciente e para o volume que será ingerido de lactose.

Um abraço, Dra. Mirella

Fonte: NIH Consensus Development Conference Statement on Lactose Intolerance and Health.

 

Compart. página